domingo, 23 de maio de 2010

"Garoto Interrompido" - Renata

Hoje acordei amuada. Tentei dar seguimento aos meus estudos, mesmo sendo domingo, até para espairecer e deixar o tempo passar. O máximo que consegui foi terminar um capítulo que comecei a ler na sexta-feira e que já estava perto do fim. Minha mãe também acordou se sentindo assim, então passamos a manhã conversando sobre como nos sentíamos simplesmente insatisfeitas hoje e, juntas, buscamos explicações racionais para esse sentimento.

O clima intensifica a melancolia, é claro: além de frio, o céu está cinza e cai uma garoa fina. Na minha opinião, o Sol contribui muito mais para o bom humor do que um céu nublado.

Juntas, minha mãe e eu conseguimos enumerar alguns pequenos acontecimentos que, em conjunto, poderiam ter desencadeado essa insatisfação em cada uma de nós. Todos eles insignificantes, é claro. Nenhum deles apresentava qualquer fator irreversível ou nos afetava de maneira mais grave, ou seja, em nada alteravam nossas vidas; além do mais, sobre nenhum deles tínhamos controle. O Sol, por exemplo, por volta das 13h apareceu esplendoroso e encheu nossa sala com uma luz aconchegante, que em nada se parecia com a manhã cinza que havíamos presenciado - agora, 15:46, entretanto, o cinza voltou a reinar absoluto.

Minha mãe e eu, cada uma a sua maneira, nos engajamos em atividades prazeirosas: ela foi pintar e decorar camisetas e eu fui ler um romance. Depois do almoço, liguei a tv e estava começando um documentário norte-americano chamado "Boy Interrupted", dirigido por um casal de cineastas, cujo filho adolescente cometeu suicídio aos 15 anos de idade. O filme era, ao mesmo tempo, uma tentativa de lidar com a perda e de tentar, no meio desse processo, entender o que deu errado.

O casal construiu o documentário a partir de vídeos familiares gravados desde o nascimento do garoto Evan até pouco antes de sua morte. Desde a tenra infância o garoto apresentava sinais de depressão e aos sete anos de idade foi diagnosticado como Bipolar II, estágio onde a depressão se manifesta. Essa descoberta veio depois que o garoto subiu no telhado do prédio escolar de seis andares e ficou na beirada dele simplesmente mirando o chão. Antes disso, Evan já falava em suicídio, fazendo com que a "arte" de subir no telhado ganhasse proporções mais sérias.

Evan foi internado em duas clínicas, tomou medicação para equilibrar quimicamente as substâncias responsáveis por sua depressão e recebeu toda a atenção que a família podia dar. Na adolescência, foi matriculado em um colégio comum, após sair da clínica de reabilitação, fez amigos e era um estudante exemplar. Todo esse movimento não impediu, entretanto, que ele cometesse o suicídio, atirando-se pela janela do apartamento onde morava com os pais e o irmão mais novo. O garoto deixou uma carta extremamente racional, elencando seis motivos para morrer e seis para viver; apesar de empatados, o rapaz estava certo de que o caminho a seguir era, senão, a morte.

Ao longo do documentário e depois dele ficou a compreensão emocional de uma constatação que ouvi inúmeras vezes nas discussões universitárias sobre como essa insatisfação inerente ao ser humano é uma das molas propulsoras do consumo, senão a mais importante delas.

Minha mãe, eu, você, o Evan, todos temos uma insatisfação inerente que simplesmente é, sem outra razão de ser, senão simplesmente existir. Alguns de nós buscam conforto no consumo de filmes felizes, outros no consumo de roupas da moda (que nem sempre caem bem); outros ainda buscam algum conforto na religiosidade, nos estudos ou no trabalho. Acrescento também os que buscam conforto no sexo, na bebida e na comida.

Buscamos todos os dias algum conforto, algo que nos tire a atenção dessa insatisfação chata, que é como um beliscão leve, mas que dói e irrita porque é constante.

Muitos de nós consegue seguir adiante com a retroalimentação do conforto. Outros, como Evan, simplesmente não suportam a dor e vêem na morte a única maneira de escapar dela.

Atualmente minha fuga, ops, conforto tem sido a leitura de livros para me preparar para uma especialização que tenho interesse em fazer. Além do mais, adoro pensar no futuro como um período de possibilidades e cheio de confortos, alguns desses eu ainda nem conheço. É isso que me mantém sempre em frente!